No artigo aqui publicado em 3/2, tratei das dificuldades que a Petrobrás vem enfrentando para cumprir a parte que lhe cabe no problemático modelo de exploração do pré-sal. Embora o artigo defendesse os melhores interesses da empresa, a Petrobrás queixou-se, em carta, de que a argumentação continha equívocos e fatos distorcidos, além de "viés negativo". Como de hábito, o artigo foi publicado também em O Globo. E, curiosamente, a carta só foi enviada a O Globo, que a publicou em 7/2.
O que dizia o artigo? Que a Petrobrás está sobrecarregada pela tríplice exigência que lhe foi imposta no modelo: 1) manter o monopólio da operação dos campos do pré-sal; 2) ter participação de pelo menos 30% em cada consórcio que vier a explorar tais campos; e 3) levar adiante a "missão" de desenvolver a indústria de equipamentos para o setor petrolífero no País. E que essa última "missão", em particular, vem impondo enorme e indefensável ônus à empresa.
Na carta, a Petrobrás passa ao largo do ponto principal do artigo e faz três alegações. A primeira é de que o artigo "estabelecia confusão", ao relacionar a "política industrial de desenvolvimento da cadeia fornecedora do segmento de petróleo", mera "prerrogativa do governo", com a "oportunidade", concedida à empresa, de desempenhar papel tão proeminente no pré-sal. Não há confusão alguma. Quem melhor vinculou uma coisa à outra foi a própria Petrobrás. Basta consultar, por exemplo, a imperdível entrevista publicada no Estado de 9/9/2009, na qual o então diretor de Exploração e Produção da empresa explicava a lógica do modelo que ajudara a conceber (http://migre.me/7WRFn). A intenção, com todas as letras, era assegurar escala suficientemente grande à operação da Petrobrás no pré-sal, para que ela pudesse levar adiante a "missão" de desenvolver a produção nacional de equipamentos. "Se uma empresa tiver de colocar duas, três plataformas, é uma coisa. Se tiver de pôr 20, é outra".
A segunda alegação é de que não teria fundamento a ideia de que o governo estaria postergando licitações, tendo em vista que leilões para contratos de partilha só poderão ser feitos após decisão do Congresso sobre a questão dos royalties. Na verdade, tal indefinição não passa de desculpa momentaneamente conveniente. Nada permite supor que, uma vez definida a questão no Congresso, o governo estará pronto a deflagrar a licitação do pré-sal. É bom ter em conta que, no caso das concessões do pós-sal, que em nada dependem da decisão do Congresso, a última rodada de licitação foi feita em 2008. Como já deixou mais do que claro a atual presidente da Petrobrás, a empresa, por enquanto, não tem interesse em que o governo promova novas licitações, por já dispor de "um cardápio espetacular" de áreas a explorar.
A terceira alegação da carta é preocupante. Refere-se à menção, no artigo, ao fato de ter sido a empresa capitalizada, em 2010, com R$ 75 bilhões de preciosos recursos do Tesouro. A Petrobrás viu nessa afirmação um "erro" a ser corrigido. "A verdade dos fatos: na capitalização da Petrobrás, a União aportou títulos da dívida pública. Em sequência, recebeu esses mesmos títulos como pagamento, pela Petrobrás, do Contrato de Cessão Onerosa. Portanto, para a União, não houve saída de caixa."
O argumento é de um primitivismo estarrecedor. Pouco importa se houve ou não saída de caixa. A União dispunha de reservas de petróleo que, se tivessem sido licitadas, teriam gerado R$ 75 bilhões ao Tesouro, mais de 2,5 vezes o total de gastos do PAC em 2011. Recursos públicos que, num país de tantas carências, poderiam ter tido destino incomparavelmente mais nobre. Basta olhar em volta. É lamentável que a Petrobrás não consiga entender quão preciosos, de fato, eram os recursos com que foi aquinhoada na capitalização de 2010. Uma noção clara do uso alternativo que poderiam ter tido ajudaria a Petrobrás a ver com outros olhos, por exemplo, os custos do programa de favorecimento à produção local de equipamentos.
Fonte: Rogério L.F. Werneck
*Economista,doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio
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