As descobertas do pré-sal abrem enormes possibilidades para a geração de renda, a abertura de um novo ciclo de crescimento e o aprofundamento das transformações do Brasil. O Brasil alcançou a autossuficiência na extração nacional de petróleo por um horizonte razoável de tempo e, com as últimas descobertas do pré-sal, alterou significativamente sua posição na ordenação dos países e regiões, em termos de importância geopolítica referente à oferta de energia mundial.
O petróleo foi um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da economia nos últimos dois séculos. Sua disponibilidade, como um energético barato, abundante e de largo espectro de usos, permitiu o desenvolvimento da civilização do automóvel, o crescimento da mobilidade de carga e de pessoas e parte da expansão urbana e da dinâmica industrial de setores transformadores de produtos, como a petroquímica.
Apesar do crescimento de seu uso ao longo dos tempos, as reservas continuam crescendo. Não será por falta física do petróleo que se mudará a matriz energética. A sociedade continuamente desenvolve novas técnicas e fontes que permitem atender suas crescentes necessidades de energia. O aparecimento de energéticos alternativos economicamente mais eficientes é que conduzirá à substituição das fontes de energia primária existentes.
Hoje, além de autossuficiente em volume de produção de petróleo, o Brasil tem reservas suficientes para garantir essa situação por um longo tempo. Com as descobertas do pré-sal, descortinam-se outros gigantescos horizontes exploratórios.
Os tipos de rochas reservatórios identificados abaixo da espessa camada de sal, que alcança até 2.000 metros, foram mapeados numa região que vai do norte de Santa Catarina ao sul do Espírito Santo, formando uma área de mais de 110.000 quilômetros quadrados.
Desenvolver mais eficientemente a capacidade de produção dessa riqueza, apropriar-se socialmente de seus benefícios e minimizar seus impactos negativos na inibição de outras atividades, assim como gerar fluxos que permitam estimular outras áreas da economia, de forma a construir um pacto intergeracional em que a renda gerada possa financiar investimentos que permitam ampliar a renda futura, são alguns dos desafios.
Os riscos típicos da atividade de exploração e produção do petróleo estão minimizados na região do pré-sal. Ainda que as áreas do pré-sal continuem exigindo intensos investimentos para seu desenvolvimento e, portanto, envolvam riscos significativos de desempenho, preços, custos e mudanças regulatórias, seus riscos exploratórios são muito menores do que em áreas desconhecidas. Essa é também uma característica importante da indústria de petróleo, em que a informação sobre uma determinada área modifica seu valor, como resultado da redução significativa das incertezas associadas ao desconhecimento de seus reais potenciais, transformando incertezas em riscos mensuráveis e afunilando as expectativas.
Os investimentos continuarão gigantescos para transformar os potenciais reservatórios em áreas produtoras. Considerando somente as áreas concedidas, a montagem da infraestrutura necessária para o desenvolvimento dessa produção é um grande desafio para a indústria, para a Petrobras e para a cadeia de fornecedores. As áreas das acumulações identificadas na Bacia de Santos estão a mais de 300 quilômetros da costa, e os reservatórios estão perto dos 6.000 metros de profundidade, depois da camada de mais de 2 quilômetros de sal.
A logística de suprimentos, a montagem de sistemas de produção mais automatizados e sistemas submersos mais leves e eficientes, o controle mais adequado de corrosão e gases, as novas alternativas de descarregamento da produção, bem como novos modelos de otimização de reservatórios são alguns desafios tecnológicos e econômicos que podem ser antevistos.
O que se desconhece é a dinâmica dos reservatórios, como se comportam sob condições de produção e como se relacionam. Esses conhecimentos podem ser adquiridos apenas com o início da própria produção. As informações já estão fluindo da experiência adquirida da produção que já se iniciou. O pré-sal não é mais um projeto. Já tem produção significativa com novas descobertas e confirmação e superação de previsões anteriores. O grande desafio agora é a continuidade da instalação dos sistemas produtivos e a logística.
A escala da demanda brasileira é de tamanho tal que pode atrair vários nichos de mercado para implantar aqui a capacidade adicional produtiva mundial de vários equipamentos e de fornecimento de serviços.
O volume de sondas de perfuração de alta profundidade, as centenas de barcos de apoio e navios transportadores, os milhares de quilômetros de tubulações, além das centenas de válvulas, compressores e torres, bem como as dezenas de unidades de produção, são exemplos de compras necessárias para viabilizar o desenvolvimento da produção do pré-sal. São investimentos que criam um enorme impacto multissetorial e minimizam as possibilidades da doença holandesa, que frequentemente ameaça os países que ficam dependentes de um só produto para seus fluxos cambiais, fiscais e de geração de renda.
As participações especiais e os royalties deverão se ampliar fortemente, e sua estrutura atual de distribuição concentra benefícios principalmente nas áreas produtoras. A discussão sobre os fluxos futuros, suas utilizações e os mecanismos de sua distribuição mobilizam intensamente muitos interesses e provavelmente se constituirão em importante elemento da agenda política nacional dos próximos anos.
Além dos critérios de distribuição e utilização desses recursos, também há que considerar os mecanismos necessários para financiar o investimento na exploração, desenvolvimento e produção das áreas não concedidas e não adjacentes às atuais, bem como na constituição de fontes de recursos para Saúde e Educação, Previdência Social e na minimização dos impactos cambiais decorrentes das melhorias do superavit da balança comercial de petróleo e derivados.
A manutenção e continuidade da autossuficiência da produção nacional de petróleo, a expansão da capacidade e qualidade do refino, o aumento da oferta e do transporte de gás natural, o maior dinamismo da petroquímica e a consolidação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira em um contexto de maior crescimento são os principais desafios nos próximos anos.
Para sustentar essa autossuficiência, deverão ser definidas políticas para atividades exploratórias adequadas, de maneira que a relação reserva-produção se mantenha estrategicamente estável. Além disso, é preciso estimular os investimentos necessários para a continuidade da produção e expandir a utilização de biocombustíveis em substituição à parte dos derivados de petróleo que compõem a demanda brasileira.
A cadeia de fornecimento de bens e serviços para a indústria de petróleo e gás no Brasil, bem como a integração dos sistemas produtivos existentes com as novas fontes produtoras e refinadoras, exige a formulação de um modelo para o setor que privilegie a eficiência sistêmica, minimize os riscos da segmentação, potencialize a expansão dos setores que constituem a cadeia de suprimentos e defina uma repartição da renda petroleira, de forma a combinar o máximo benefício social com o ritmo adequado dos investimentos.
O ritmo em que esse programa será colocado em prática depende da velocidade em que a sociedade brasileira perceberá as oportunidades e os desafios relacionados com as descobertas - e seus entrelaçamentos com os sistemas atuais de produção, refino e distribuição, em várias dimensões: operacional, tributária, regional, cambial e de investimento no próprio setor e no conjunto da economia.
José Sergio Gabrielli é secretário do Planejamento do Estado da Bahia