Rio – Primeira mulher na presidência da Petrobras, Maria das Graças Silva Foster, 58 anos, recebeu as equipes de O DIA e do jornal Brasil Econômico em seu gabinete, no prédio da Avenida Chile, no Rio, para entrevista exclusiva. Com uma foto da presidenta Dilma Rousseff na parede, a flâmula do Botafogo sobre a mesa e protegida por duas imagens de Orixás africanos (Iansã e Ogum), colocadas ao lado da mesa de reunião, Graça Foster, como é conhecida, lembrou da infância pobre no Morro do Adeus, no Complexo do Alemão, do início da carreira como estagiária, dos desafios da empresa para o desenvolvimento industrial do País e o controle de preços de combustíveis. Firme, defendeu a necessidade de a empresa evitar vazamentos de óleo no meio ambiente e acidentes de trabalho com funcionários, efetivos e terceirizados. Descontraída, falou da paixão alvinegra e disse que seria campeã carioca de 2012. “Acertei na bucha o 3×1 sobre o Vasco”, contou.
O DIA: A presidenta Dilma disse que o Grupo EBX e a Petrobras não são concorrentes e que podiam ter parcerias. Existe entendimento com Eike Batista?
Nós somos concorrentes, sim. Nós fomos concorrentes no último leilão de térmicas que a Petrobras entrou. Nós ganhamos uma térmica e eles perderam. Então, nós somos concorrentes. Um dia desses, quando tiver outro leilão para blocos, pode ser também, e sai de perto. Agora, existem situações e situações. Um assunto que chega a ser óbvio é a questão de infraestrutura. Temos o mesmo foco. E se eu trabalho com empresas inglesas, americanas, por que não vou trabalhar com uma brasileira? Não estamos aqui para viabilizar empresa nenhuma. Agora, quando esse concorrente existe, como a BG, BP, Shell e Grupo X, eles existem porque eles investem, porque são bons, porque colocaram conhecimento. E se nós podemos compartilhar determinados custos, não tenha dúvida de que seremos sócios com grande potencial.
Mas Petrobras e EBX discutem algum projeto?
Na questão da infraestrutura. Nós temos carteira de possibilidades de trabalharmos juntos e isso será feito. Se isso se inviabiliza por questões econômicas, aí cada um vai cuidar do seu pedaço.
Como está a discussão do uso de peças em equipamentos nacionais?
Em 2007 eram cinco as sondas de perfuração e, no fim de 2012, serão 40. São produzidas no exterior, o conteúdo local delas é zero. Agora estamos em nova fase. Outras 33 sondas serão contratadas (7 pela Sete Brasil junto ao Estaleiro Atlântico Sul, outras 21 com a Sete Brasil, e 5 com a Ocean Riguy) com o conteúdo local, que varia de 55% a 65%.
Onde mais terá conteúdo local?
Além das sondas de perfuração, temos Unidades Estacionárias de Produção, que fazem ligação entre sondas e poços. O conteúdo local era zero.
Há informações de que a DTA quer que a Petrobras invista no projeto dos Terminais de Ponta Negra, projeto de US$ 5 bilhões.
Eu, presidente da companhia, não conheço. A diretoria da Petrobras não conhece esses detalhes todos que foram apresentados. Esse assunto não faz parte do Plano de Negócios da Petrobras. Nem da revisão do plano.
Há conversas com a Vale?
Sim, nós assinamos termo de compromisso de confidencialidade com a Vale. Há série de possibilidades. Uma delas é a logística, a infraestrutura. Para a Vale, como para a Petrobras, nosso meio do caminho é a logística, a infraestrutura. A gente ganha dinheiro sabendo movimentar nossos fluidos e sólidos. A BR não ganha dinheiro comprando combustível da Petrobras e vendendo. A BR ganha dinheiro no movimento que ela faz de todo o volume de produtos. A Vale, assim como o Grupo X, é uma empresa que a gente tem na mira para compartilhar nossos custos. Aquele tempo em que você dizia ‘eu quero fazer só porque eu vou fazer só’ passou. Hoje em dia temos que fazer de tudo para baixar nosso custo de movimentação. Trabalhar com parceiros é uma solução.
A senhora citou a revisão do Plano de Negócios. Há prazo para concluir?
O plano é uma rotina. Quando ele termina, a gente já começa a revisão. Normalmente o plano é concluído no primeiro semestre, e lá para julho ou agosto ele está pronto. Estamos perseguindo a data de julho para conclusão.
Havia previsão de desinvestimento por parte da Petrobras de R$ 13 bilhões.
Há previsão no Plano de Negócios até 2015. Ele é revisto ou reduzido, ou novos ativos entram no plano. A empresa não pode ficar congelada em si mesma. Você olha os ativos e vê se eles trazem o mesmo valor que traziam há cinco, 10, 15 anos. Se mantém a sinergia com outros ativos do portfólio. Quando vê algum corpo que não se liga, ele é um candidato forte a sair da sua carteira de projetos.
O que será desinvestido? Que tipo de ativos? Blocos em outros países? Ações de empresas?
Não divulgamos isso. É divulgado quando apresentamos os resultados do primeiro trimestre, as empresas que incorporamos, as empresas que não nos interessam mais e que saímos daquela empresa. Saberão do fato consumado.
Sobre investimentos, as usinas de álcool ainda estão previstas?
Está programado. O álcool tem nos surpreendido. Nós somos uma empresa de petróleo e de gás natural. É a prioridade da Petrobras. A questão do álcool para nós é muito importante. Hoje, por exemplo, se nós tivéssemos álcool para voltar com a participação de 25%, nós teríamos um excelente resultado econômico. Porque álcool é combustível. Para nós, não é açúcar. Todo o nosso refino novo não tem perfil para gasolina. A vocação é para QAV (combustível de aviação), diesel, GLP, nafta. O álcool é combustível. Mas não a qualquer preço.
Com relação ao QAV, as aéreas reclamam do preço, mas que a Petrobras não vai discutir. Um levantamento informa que a Petrobras perde R$ 3,7 bilhões com a diferença.
A Petrobras discute sempre. Não me nego a discutir de forma alguma. Mas não há abertura para redução de preço de QAV. A Petrobras é uma empresa que está investindo R$ 83 bilhões este ano e investiu R$ 72,5 bilhões no ano passado. E não tem como. Nós existimos para produzir o petróleo, para refinar, para atender a questões ambientais, para ter resultados positivos, para poder continuar existindo.
Há uma pergunta inevitável. O preço da gasolina? Falam que a Petrobras perdeu R$ 7,9 bilhões pela manutenção do preço como está.
Os números de R$ 7,9 bilhões, R$ 13,5 bilhões, R$ 4,2 bilhões, R$ 8,5 bilhões, são a conta que os outros fazem. Nesse cálculo se considerou o preço do petróleo brent a quanto? É uma média anual? Mensal? O que é? Não tem conta que é trazida para nós, que eu concorde com ela. Conta que é feita aqui dentro. Eu nunca confirmo esses números em hipótese alguma. Nossa política é de longo prazo. De 2006 a 2010 ganhamos uma barbaridade. Hoje, tenho mercado que cresce muito mais. A demanda de gasolina no Brasil cresceu 49% nos últimos dez anos e no mundo, 15%. O diesel, no Brasil, 43% e no mundo, 29%. O QAV cresceu 53% no Brasil e no mundo teve 2% de redução. O óleo combustível reduziu 56% no Brasil e 18% no mundo, o que é um bom resultado para o País porque aqui entramos com gás natural na matriz energética e deslocou muito óleo. Nós ganhamos muito dinheiro no período passado e esse período 2010/2011 está apertado. Esse mercado novo que cresce, esses 49% aqui, é claro que não quero perder.
E como retomar os ganhos do passado?
Eu não quero perder esse mercado novo que cresce. Porque nós estamos investindo muito na produção de petróleo, a gente não quer ser um exportador de petróleo. Esse não é o objeto. Nós vamos exportar petróleo, em torno de 1,5 milhão de barris por dia, em 2020. Agora, o que queremos aqui é, com as refinarias que estão sendo construídas, refinar e vender esse petróleo aqui no Brasil.
Quando então será o tempo certo para aumentar a gasolina no Brasil?
Lógico que não estamos sendo bonzinhos aqui. Tudo tem um tempo, tudo tem um prazo. O que eu quero lá na frente é voltar para a minha fase de ‘ganha-ganha’. O volume está muito alto, a gente consegue fazer níveis de paridade de preço e você consegue ir para a fase de ‘ganha-ganha’ na gasolina e no diesel. Esses são ajustes que só uma empresa verticalizada, uma grande produtora de petróleo consegue manter suas refinarias e sua produção.
A senhora tem dito que há meta de zerar ocorrências de vazamento de óleo. Dizem que isso não existe, mas a senhora quer.
Tem várias coisas que dizem para mim que não vão dar certo, que não podem, mas eu quero. Se eu fosse desistir de tudo na vida, porque disseram que era difícil e que não podia, estava ‘lascada’. Tenho absurdo respeito e carinho pelas questões ambientais, imensa sensibilidade. Se vazou pouco é inaceitável. É vazamento zero. Ninguém faz válvula para vazar. Ninguém define procedimento para não cumprir. Então, a gente faz esse trabalho. Sempre tivemos meta para vazamento na Petrobras.
Como estão as estatísticas sobre vazamentos nesse momento?
O que fizemos neste ano de 2012 foi acompanhar os vazamentos. Vemos que 99% das vezes era completamente possível não ter acontecido. Agora em abril o número de ocorrências foi muito menor. Em janeiro foram 29; em fevereiro, 23; em março, 16; e em abril 12. São ocorrências e aí cabe tudo, desde uma gota a exsudação do Campo Frade, que está na mesma tabela de 81 ocorrências em todas as empresas, em caminhões, tudo. A gente persegue isso. Não pode vazar, não é para vazar, não foi feito para vazar.
O acidente de trabalho é acompanhado nesse nível?
A gente tem todo um trabalho belíssimo que foi feito pelo sindicato no ano passado. Muitas vezes o empregado não registra a ocorrência. Esse trabalho para registro da ocorrência aconteceu. Quando estávamos na campanha sindical, eles colocaram isso com muito mais força do que os ganhos de salário. Isso não mudou nossa sistemática. Aqui não é o mundo da fantasia. Não quero ficar aqui em cima sem saber de nada. Sei como é lá embaixo porque eu vim de lá. Sei como é o mundo real. Não quero ficar longe da companhia aqui em cima. Acompanho tudo da companhia e quero saber também da vida das pessoas. Toda vez que tem ocorrência com fatalidade, e isso era feito e a gente continua, o gerente da área que perdeu o colega tem que explicar, a empresa que trabalhou, se é terceirizada, ela tem que vir se explicar. É aberta sindicância para apurar tudo que aconteceu. A gente sempre deu muito valor à vida na Petrobras. E quanto ao meio ambiente, a gente tem que ter respeito grande porque a gente quer continuar operando e operando bem.
Tem uma batalha na Petrobras que pode beneficiar os jovens, como os moradores do Morro do Adeus, no Complexo do Alemão, que é a falta de mão de obra, que não há gente preparada para o pré-sal.
As pessoas colocam a questão da demanda da mão de obra como um problema. É um bom problema. Porque você tem demanda muito grande e tem que procurar para ofertar essas pessoas. A gente trabalha com o Prominp (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo). A gente começou a discutir duas vertentes, que foram o conteúdo local por si e a questão do treinamento. Não posso negar a vocês que me encantei quando cheguei a uma área como a da Bahia, há dois meses, no estaleiro São Roque, que tem uma área do Prominp para fazer os cursos de formação para pessoas mais simples. Eu entrei numa sala de aula e aquilo mexeu comigo porque tem a ver com a minha vida. Que barato ver uma menina lá sentada, bem humilde, e aparece a Petrobras com um curso de capacitação.
A senhora não teme que em 2020 tenha um problema de mão de obra para a Petrobras, para o pré-sal e tudo que move a cadeia?
A gente teme e planeja. Quando desenvolvemos o plano de negócios, olhamos o conteúdo local e também a questão do suprimento, da demanda. Olhamos nossos processos seletivos de incorporação de pessoas dentro da companhia. Você acelera ou mantém uma velocidade planejada desde que você esteja crescendo também as suas obras, que elas estejam andando. Tudo é administrado. O trabalho não é muito fácil.
A Petrobras tem contratos com a Delta Construções (envolvida em escândalos relacionados a desvios feitos pelo contraventor Carlinhos Cachoeira) para obra na Refinaria de Duque de Caxias (Reduc) e no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí. A senhora disse que ia analisar estes contratos. Há novidades?
O Comperj é um projeto que não só o nome é complexo, como ele é complexo. Estou estudando o Comperj, estou olhando todos os contratos, e a Delta é um contrato. As empresas com as quais a gente trabalha e que não performam, a gente tira fora. O contrato da Delta está sendo analisado, como estão sendo analisadas outras empreiteiras que também não performaram bem no Comperj. A gente precisa dar um salto no Comperj, dar uma acelerada, e aí muitas vezes passa por tirar empresas e incluir outras. E a Delta é uma delas.
A ideia é recuperar os atrasos no Comperj, devido à greve dos trabalhadores?
Recuperar, não recupera. Já perdeu. Tem um problema de tempo. São 60 dias de greve se somarmos todas as interrupções, de novembro para cá. Não tem como você fazer quatro turnos, de uma forma que não seja segura do ponto de vista operacional. Esperamos que os empreiteiros resolvam seus problemas com a força de trabalho. Para nós, é muito importante o bem-estar da comunidade que trabalha na Petrobras, empregados diretos ou não. Há insatisfação dos empregados. Mas o que se perdeu não se recupera. O que a gente está é pressionando para dar um ritmo ao Comperj.
Com relação a assuntos internacionais, foram divulgadas informações sobre a Bolívia com mais problemas de estatização, o Equador parece que resolveu acertar uma conta com a Petrobras e, por trás, há também a questão da Argentina. Nesses lugares onde a Petrobras atua, a senhora vê alguma questão difícil para seguir atuando?
Difícil, é. Aqui na Petrobras eu não tenho o direito de qualificar o que fez a Bolívia, de qualificar o que fez a Argentina. A leitura que tenho é que é feito com a intenção de aumentar a produção de petróleo, aumentar a produção de gás, prover mais energia a seus países. Eu vejo assim. O que a Argentina quer? Fazer com que as reservas aumentem. Mas eu não qualifico. Agora, nós que operamos nesses países, queremos saber qual é a regra. Qual é a regra no Brasil? A regra é essa: pré-sal é partilha e não foi posta pela Petrobras. É uma regra. Você vem se você entender que aquilo vai te trazer algum benefício financeiro. A nossa existência, o Brasil e países da América Latina, do ponto de vista da integração energética é uma segurança muito grande que você tem de, além do pré-sal, considerar as boas oportunidades na Argentina, como na bacia de Neuquén, esse óleo não convencional, esse gás não convencional. Então, nos interessa muitíssimo estar na Argentina. Nos interessa muitíssimo nos sentirmos confortáveis do ponto de vista da segurança regulatória e do ponto de vista econômico de que aquilo que a gente investe lá vai prover a Petrobras dos benefícios que ela planeja. Então, objetivamente, é saber qual é a regra. Para nós é importante que essa regra seja definida para que a Petrobras continue na Argentina e dentro daquilo que está previsto no plano. Nem tudo que quero de energia vem só do pré-sal. Tem o pós-sal do Brasil e tem a Argentina.
E em relação à Bolívia?
Quanto à Bolívia, dependemos do gás da Bolívia. E depois de 2020 não há nenhum sinal, nesta república aqui, que mostre que eu possa não considerar o gás boliviano. Então, novamente, que as regras sejam cumpridas para que a gente continue investindo na Bolívia e cada vez mais. Sobre do Equador, não fomos comunicados oficialmente de nenhum valor com relação a proposta do Equador.
Quanto vai ser Botafogo e Fluminense?
No primeiro jogo (ontem) 2×1 para o Botafogo; e no segundo jogo, 3×2 para o Botafogo. Acertei na bucha o 3×1 com o Vasco (na final da Taça Rio). Quando eu vou ao jogo, o Botafogo ganha. (Ela errou o palpite: deu 4×1 para o Tricolor).
PREPARAÇÃO É FUNDAMENTAL PARA OS JOVENS
Da infância pobre no Morro do Adeus, Graça Foster lembra do aconchego da família. Apesar das dificuldades da época, ela afirma não ter razões para esquecer aquele tempo. “Tenho fotos da minha casa onde eu morei. É uma boa lembrança. Eu brincava na rua. O importante é ter a família, uma casa, por mais simples que seja, é um lar”, diz.
Para ela, as crianças e os jovens do Morro do Adeus devem ter o apoio da família,um acolhimento, e a força de vontade ao lado, não se deixando abater por críticas não construtivas. “Não se limite, não deixe que digam para você que é pretinho, que é branquinho; que é uma menina, pobre, mora aqui e não na Zona Sul. Isso é que não se pode aceitar de jeito nenhum. Não aceite o menos. Você tem direito ao mais, ao muito melhor”, recomenda Graça Foster à jovem Isis de Freitas, 13 anos, aluna do 7º do Ensino Fundamental e moradora do Morro do Adeus.
Graça Foster iniciou a carreira na Petrobras como estagiária do Centro de Pesquisas (Cenpes). Ela lembra que a atual diretoria é composta por funcionários que estagiaram na companhia, o que serve de estímulo para os novos empregados.
“Eles olham para cá e pensam: ‘Eu também posso ser presidente da companhia, posso ser diretor’. Eu não estou aqui?”, afirma a presidenta, confirmando as expectativas de Flávia Villela Fialho, 22 anos, que estagia na Gerência de Patrocínios. “Para um estudante é um sonho trabalhar em uma empresa deste tamanho”, comemora Flávia.
Porém, segundo Graça Foster, o jovem não deve só ficar pensando na presidência. Ele deve se preparar, estudar e interagir. “Se ficar isolado querendo ser presidente, será um ser isolado e ninguém vai compartilhar nada contigo e você está ‘lascado’”, ensina.
Fonte: O DIA (Reportagem de Aurélio Gimenez, Érica Ribeiro e Ramiro Alves)